UX Case Study: melhorando a experiência de atendimento em hospitais públicos

Daniela Castro
7 min readJul 9, 2019

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No Brasil, 70% da população não tem plano de saúde particular e depende exclusivamente do serviço público de saúde. Quando cruzamos esse dado com a diferença entre investimento do setor público com o setor privado, começamos a nos deparar com a discrepante realidade que enfrentam os dois serviços.

Os gastos por paciente são, em média, 3 vezes mais altos no sistema privado do que no sistema público.

Quando chegamos a um problema deste, estamos enfrentando um Wicked Problem. Um problema que não tem uma solução definitiva, que muitas vezes é o sintoma de um novo problema, que não tem meios de se testar imediatamente a solução, e cada solução proposta, mesmo que muito pontual, conta significativamente para todo o sistema.

Grande parte dos problemas tratados por UX designers são Wicked Problems. E combinando System Thinking (Teoria de Sistemas) com Métodos Ágeis, nós podemos compreendê-los e propor soluções viáveis.

Sobre o SUS

O SUS (Serviço Único de Saúdo) é um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo. Ele é de direito de todos os brasileiros e garante o acesso universal ao sistema público de saúde.

Ele abrange serviços desde o simples atendimento para avaliação da pressão arterial, por meio da Atenção Básica, até o transplante de órgãos, em hospitais públicos ou conveniados.

Nosso primeiro passo foi entender o problema que estávamos enfrentando e mergulhar naquela realidade: através de pesquisas com usuários, entrevistas e coleta de informações sobre o sistema etc.

Entrevistando os usuários, alguns pain points (pontos de dor) foram se destacando:

“A principal diferença entre o plano de saúde e o SUS é o tempo de espera.” — Carlos, 50 anos

“Fui até o hospital e desisti pela demora e bagunça, depois fui numa consulta particular.” — Érika, 37 anos

Persona & Jornada do Usuário

Com base nas pesquisas, sentimos a necessidade de criar uma Persona para tangibilizarmos seu ponto de vista, suas necessidades, suas dores e sua jornada. Deste modo, conseguiríamos focar em uma solução pontual para um usuário real.

Jackeline, nossa persona, é moradora da zona sul de São Paulo. Ela vem de uma família de baixa renda que sempre estimulou seus estudos e que batalha para conseguir fechar as contas no final do mês.

Ela seguiu seu sonho de ser maquiadora, se formando em um curso tecnólogo da área, e trabalha como autônoma atendendo em alguns salões e alguns clientes em suas casas.

Ou seja, o tempo é extremamente importante para ela. Ela busca por serviços rápidos que não vão comprometer sua rotina de trabalho.

O gatilho para a Jackeline utilizar o SUS é quando ela se sente mal e não pode esperar o agendamento de uma consulta, e por isso, deve utilizar o pronto-socorro para tratar sua urgência. Esta seria a jornada dela:

Jornada do Usuário no SUS

Definição do problema

Como falei acima, tratar um Wicked Problem é um desafio: o serviço é complexo, envolve uma série de usuários, tomadores de decisão e stakeholders, especificamente neste caso tem uma limitação enorme de orçamento.

Então começamos a puxar os insights do processo para delimitar o problema que trataríamos:

Declaração do Problema (Problem Statement)

Nosso serviço foi desenvolvido para diminuir o tempo de espera do usuário durante o período em que ele dá entrada no pronto-socorro até o momento em que é atendido pelo médico em um hospital público gerido pelo SUS.

Observamos que o serviço atual não está sendo executado com uma performance aceitável (em geral demora mais de 2 horas), frustrando o usuário e prejudicando a imagem do Sistema Público de Saúde.

Como podemos melhorar a experiência em utilizar o pronto-socorro para que os usuários passem menos tempo ali até seu atendimento?

Ideação

A partir da declaração, fizemos uma sessão de Brainstorming para que todos começassem a pensar de maneira criativa em saídas para resolvermos este problema.

Brainstorming de ideação

Esta etapa é fundamental para “gastar” as ideias pré-estabelecidas em nossas cabeças e começarmos a explorar outros caminhos… inclusive os absurdos! O processo de inovação se baseia nessa reflexão e exercício constantes.

Quando esgotamos as ideias dentro da sessão de ideação, partimos para a votação. De todas as ideias propostas por todos do grupo, cada um votou nas 3 melhores. Como resultado, chegamos nos insights abaixo:

Experience Box & solução

Você está gripado, com muita dor no corpo e ânsia. Não consegue comer nada há horas. Decide ir ao pronto-socorro para saber o que está acontecendo e o que fazer para melhorar.

Você chega no hospital e recebe uma senha de atendimento:

número 75

O painel eletrônico apita.

Como você se sente nesta situação?

Criamos uma Experience Box para ambientar e trazer os usuários para o contexto do problema que estamos tratando. Para que eles mergulhem com empatia na dor da Jackeline.

Agora imagine que no momento em que você está se sentindo mal, antes mesmo de decidir ir ao hospital, você possa ter clareza que está tomando a melhor decisão:

Navegue no protótipo: https://marvelapp.com/i699g94/

Queremos fornecer meios para os usuários tomarem melhores decisões em suas vidas. Nossa solução viabiliza informações para que você entenda onde terá o atendimento mais rápido. Mostramos para o usuário os Pronto-Socorros mais próximos e o respectivo tempo de espera para atendimento, para que tomem a melhor decisão.

Pesquisando através do Google pelos hospitais públicos (ou pronto-socorros) e informando o horário de chegada previsto, a ferramenta mostra em tempo real o tempo de atendimento da unidade em Verde (até 2h de espera), Amarelo (entre 2h e 6h de espera) e Vermelho (mais de 6h de espera).

Clicando em uma unidade específica, o usuário verá o gráfico com picos de atendimento. Deste modo, conseguirá comparar o tempo de espera ao longo do dia e decidir o melhor horário para ir ao hospital.

Informações sobre os pronto-socorros e o respectivo tempo de espera para o horário previsto

O usuário também conta com a opção de antecipar seu atendimento naquela unidade. Ou seja, de maneira remota ele consegue agilizar o primeiro procedimento do hospital, o cadastro do paciente.

Detalhes sobre a unidade e opção de antecipar seu atendimento

O usuário insere seu número de cartão do SUS e previsão de chegada, permitindo ao hospital agilizar seu cadastro.

Como o número do cartão já está vinculado aos seus dados pessoais como Nome, RG, CPF, data de nascimento, o hospital não tem a necessidade de solicitar novamente todos os dados.

Navegue no protótipo! marvelapp.com/i699g94/

Use o QRcode para acessar o protótipo navegável!

Próximos passos: roadmap e visão de negócios

Evolução do produto:

  • Evolução da solução disponibilizando informação “setorizada” por necessidade do usuário: preferencial, PS ortopédico, etc
  • Pré-triagem por telefone e online
  • Transporte gratuito para unidades ociosas

Visão de Negócios

  • Previsão de pico de atendimento (gestão de turnos, sazonalidade)
  • Desafogar os pronto-socorros
  • Redução do tempo de contato com pacientes infectados (equipe e pacientes)

Considerações

Este projeto foi realizado em grupo e nos permitiu enriquecer o processo com nossos diferentes backgrounds e explorar diversas ferramentas de UX, como:

  • Pesquisa com usuário (questionários e entrevistas)
  • Mapa de Empatia
  • Diagrama de Afinidade
  • Personas
  • Jornada do Usuário
  • Service Blueprint
  • Declaração de Problema e de Hipóteses
  • Brainstorming de Ideação
  • Wireframing
  • Protótipo de alta fidelidade
  • Experience Box

Ter o usuário como centro do projeto foi fundamental para chegarmos em uma solução simples e relevante. O usuário já tem acesso à tecnologia (Google), não teria que se adaptar a um novo processo. O SUS não teria que financiar o projeto, sabendo das limitações de orçamento que já enfrentam.

O principal desafio foi deixar de lado os pensamentos focados na solução (que vinham antes da hora) para seguir o processo e confiar que o entregável final seria coerente com todo o trabalho feito.

O tempo para realizar todo o projeto foi um limitante importantíssimo: nos fez refletir e tomar decisões mais rápido para avançar. Também nos fez focar no problema pontual que estávamos abordando e como iríamos resolvê-lo.

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Daniela Castro

Product Designer & Educator | Lead Instructor at Ironhack Paris